sexta-feira, 10 de novembro de 2017

[FICHAMENTO] Uma História do Corpo na Idade Média - Jacques Le Goff; Nicolas Truong. [PARTE 1, p. 9-85]



LE GOFF, Jacques; TRUONG, Nicolas. Historia Do Corpo Na Idade Media, Uma. Editora Record, 2006.
O Combate do Carnaval e da Quaresma. Pieter Bruegel, 1559.

Prefácio


Descrição:
Justificativa de por que trabalhar a história do corpo.

“Por que o corpo na Idade Média? Porque ele constitui uma das grandes lacunas da história, um grande esquecimento do historiador. A história tradicional era, de fato, desencarnada. Interessava-se pelos homens e, secundariamente, pelas mulheres. Mas quase sempre sem corpo”. P. 9

Teses:

A história do corpo é parte essencial do empreendimento dos Annales de se construir uma história total. P. 10-11

Teses centrais:
“A dinâmica da sociedade e da civilização medievais resulta de tensões: entre Deus e o homem, entre o homem e a mulher, entre a cidade e o campo, entre o alto e o baixo, entre a riqueza e a pobreza, entre a razão e a fé, entre a violência e a paz”. P. 11

“De um lado, o corpo é desprezado, condenado, humilhado”. P. 11
. Penitência, pecado original, trabalho, nudez.

“Por outro lado, o corpo é glorificado no cristianismo medieval”. P. 12
. Encarnação e ressureição de Jesus.

“O corpo cristão medieval é de parte a parte atravessado por essa tensão, esse vaivém, essa oscilação entre a repressão e a exaltação, a humilhação e a veneração”. P. 13

Introdução


Descrição:
Panorama historiográfico de como o corpo foi esquecido na história, mostrando as exceções.

Justificativa:
“[...] o desvio pela história do corpo na Idade Média pode permitir compreender um pouco melhor nosso tempo, tanto por suas convergências surpreendentes como por suas irredutíveis divergências”. P. 32

1.      Quaresma e Carnaval: uma dinâmica do Ocidente 



Descrição:
Demonstrar a tensão que perpassa o corpo: Quaresma e Carnaval, santidade e impiedade, jejum e gula, choro e riso, penitência e prazer.

“Na Idade média o corpo é [...] o lugar de um paradoxo. Por um lado, o cristianismo não cessa de reprimi-lo. ‘O corpo é a abominável roupa da alma”, diz o papa Gregório, o Grande. Por outro, ele é glorificado, sobretudo por meio do corpo padecente de Cristo, sacralizado na Igreja, corpo místico de Cristo. “O corpo é o tabernáculo do Espírito Santo”, diz Paulo. A humanidade cristã repousa tanto sobre o pecado original [...] quanto sobre a encarnação: Cristo se fez homem para redimir os homens de seus pecados. Nas práticas populares, o corpo é contido pela ideologia anticorporal do cristianismo institucionalizado, mas resiste à sua repressão”. P. 35

Tese Central:
“A vida cotidiana dos homens da Idade Média oscila entre a Quaresma e o carnaval”. P. 35


A GRANDE RENÚNCIA


Descrição:
A renúncia ao corpo presente na sociedade medieval que resultava em restrições a ele. A renúncia ao prazer e o ideal ascético.

Desaparecimento do esporte, do teatro. Mulher diabolizada; sexualidade controlado, trabalho manual depreciado; homossexualidade condenada; riso e gesticulação reprovados... p. 37

“O culto do corpo da Antiguidade cede lugar, na Idade Média, a uma derrocada do corpo na vida social” p. 37

Ideal da vida monástica: repressão do prazer, principalmente do corporal.


- O tabu do esperma e do sangue


Materialização da “repugnância em relação aos fluídos corporais: o esperma e o sangue”. Entretanto o paradoxo: o Cristianismo é estabelecido com base no sangue de Cristo.


- A sexualidade, ápice da depreciação


“Assim, é possível afirmar que o corpo sexuado da Idade Média é majoritariamente desvalorizado, as pulsões e o desejo carnal, amplamente reprimidos. O próprio casamento cristão [...] será uma tentativa de remediar a concupiscência. A cópula só é compreendida e tolerada com a única finalidade de procriar”. P. 41

“Toda tentativa contraceptiva é pecado mortal para os teólogos. A sodomia é uma abominação. A homossexualidade [...] torna-se [...] uma perversão por vezes associada ao canibalismo”. P. 42

“Estabelece-se de uma hierarquia entre os comportamentos sexuais lícitos. No mais alto grau está a virgindade, que em sua prática, é denominada castidade. Depois vem a castidade na viuvez e, enfim, a castidade no interior do casamento”. P. 43

Abstinência sexual nos dias santos, sendo o sexo permitido durante 180 ou 185 dias no ano.

- Teoria e Prática


Descrição:  Mostrar o distanciamento entre o discurso e a prática dos medievais quanto as proibições sexuais.

“A distinção social determina as práticas corporais e a sequência das proibições”. P. 45

“As aventuras extraconjugais brilham nas grandes famílias nobres. Do lado dos ricos, a poligamia é praticada e, na verdade, admitida. Do lado dos pobres, a monogamia instituída pela Igreja é mais respeitada. Quanto à abstinência, ela é, como lembra Jacques Rossiaud, ‘uma virtude muito rara’ e ‘reservada a uma elite clerical, já que a maior parte dos clérigos seculares vive em regime de concubinato, quando não são abertamente casados”. P. 45


- Raízes da Repressão: a Antiguidade Tardia


Descrição: traçar as origens da repressão a sexualidade.  Segundo Paul Veyne, tal mudança ocorreu nos últimos anos do século II da era cristã, entre 180-200. Prática essa que foi impulsionada pelo cristianismo dos primeiros séculos e posterior. P. 47,49.

Essa “recusa da sexualidade e a ‘renúncia a carne’, se produziu, de início, sob o Império Romano, no interior daquilo que se chamou paganismo”. P. 47

- O cristianismo, operador da grande reviravolta


Descrição:  Demonstrar que as várias interpretações bíblicas levaram o pecado original ser interpretado como um pecado sexual.

“[...] há várias premissas de uma diabolização do sexo e da mulher em Paulo”. P. 49


- A mulher subordinada


Descrição: Como a Idade Média justifica a subordinação feminina.

“Segunda e secundária, a mulher não é o equilibro nem a completude do homem”. [...] “'o homem está em cima, a mulher embaixo’, escreve Christian Klapisch-Zuber”. P. 52

A mulher é criada a partir da costela de Adão. “Da criação dos corpos nasce, portanto, a desigualdade original da mulher”. P. 53

“‘Essa Idade Média é masculina, decididamente’, escreve Georges Duby. ‘Pois todos os discursos que chegam até mim e sobre os quais me informo são feitos por homens, convencidos da superioridade de seu sexo. [...] Eles têm medo delas e, para se afirmarem, desprezam-nas’”. P. 54-55

“‘O homem se dirige à mulher como se dirige à latrina: para satisfazer uma necessidade’, resumo Jacques Rossiaud”. P. 55

- Estigmas e flagelação


Descrição: Como os estigmas e flagelação encontram, ou não, apreço na Idade Média.

“o dolorismo conhecerá, por sua identificação com o Cristo sofredor, uma breve e relativa expansão na Idade média por meio dos estigmas e das flagelações”. P. 55-56
“Os estigmas são as marcas das feridas de Cristo durante a Paixão”. E, “tende, a partir do século XIII, a se tornar um selo de santidade, um signo da efusão do Espírito Santo”. P. 56

“Tendo também como pano de fundo a invocação da Paixão de Cristo, a flagelação na Idade Média quase sempre encontra hostilidade por parte da Igreja.” P. 56

“Manifestações leigas e populares, os movimentos de flagelação eram uma espécie de peregrinação executada carregando-se uma cruz ou um estandarte, pés descalços, o corpo semidesnudo, em meio a aclamações e cantos sagrados. Essas manifestações eram acompanhadas de um rito penitencial por excelência, a autoflagelação”. P. 56-57

“Esses rituais produziam-se sobretudo em períodos de crise social e religiosa”. P. 57

- O magro e o gordo


Descrição: A renúncia ao corpo perpassa, além da sexualidade e o sofrimento voluntário, a alimentação dos medievais.

“a luxúria passa a ser cada vez mais associada à gula. [...] Pecados da carne e pecados da boca caminham de mãos dadas”. P. 57

“A abstinência e o jejum dão o ritmo, portanto, do ‘homem medieval’”. P. 58

“Gordo oposto ao magro, Carnaval que se empanturra contra Quaresma que jejua”. P. 59 Essa é a tensão que perpassa o período medieval.

A REVANCHE DO CORPO


Descrição: Enquanto a seção passada analisava as renúncias ao corpo, esta busca demonstrar a resistência dele em ser renunciado.

“A Igreja consegue, portanto, abafar o paganismo. Mas aquilo que os doutrinários cristãos consideram ‘a anticivilização’ sobrevive e renasce. Os florescimentos populares do corpo seguem, de fato, paralelos às flagelações e mortificações de certos adeptos”. P. 59

“Disseminadas sobretudo no meio rural [...] as práticas pagãs perduram e se enriquecem”. P. 59-60

O País de Cocanha é o exemplo claro de utopia que revelava os desejos medievais. “Banquetes em oposição ao corpo flagelado, desregramento contra ascese, as festas do Carnaval burlesco, com essas danças, as caroles, consideradas obscenas pelo clero, opõem-se à Quaresma dos jejuns. A civilização do Ocidente medieval é, no nível do símbolo, o fruto da tensão entre Quaresma e Carnaval”. P. 60
O Carnaval era o tempo de “‘de entregar-se a última intemperança paganizante antes de penetrar nos tempos de ascese’ fixados pela Igreja; isto é, antes da ‘entrada na triste Quaresma’”. P. 61

- Serpente de pedra contra dragão de vime


Descrição: É contada a história de São Marcelo, um santo parisiense para ilustrar como o conflito entre o Carnaval e a Quaresma estava presente no imaginário popular medieval.

- O trabalho entre castigo e criação


Descrição: A tensão manifesta no trabalho manual, ora desprezado e hora valorizado.

“As duas palavras que designam o trabalho são opus e labor. Opus (obra) é o trabalho criador, o vocabulário do Gênesis que define o trabalho divino, o ato de criar o mundo e o homem à sua imagem”. P.64

Labor (a pena), o labor, o trabalho laborioso, está do lado do erro e da penitência”. P. 65

“Mas o tabu do sexo, do sangue e do dinheiro separa os ofícios autorizados das profissões ilícitas. Prostitutas, médicos e comerciantes pagarão a conta de condenação dessas várias modalidades de corrupção”. P. 65

“Na alta Idade Média, isto é, do século V ao XI, o trabalho é considerado uma penitência, uma consequência do pecado original”. [...] De fato, a Regra de São Bento fixa a prática do trabalho manual nos mosteiros, mas apenas enquanto penitência, obediência à lei expiatória imposta ao homem quando da queda do jardim no Éden”. P. 66

“A partir do século VIII, os termos originários da palavra labor, como labores, que designam mais os frutos do trabalho do que castigo, são os signos tangíveis de uma valorização do trabalho agrícola e rural”. P. 66

“O trabalho oscila, portanto, entre seu caráter nobre e o ignóbil”. P. 66-67

“A partir do século XI e até o século XIII, ocorre uma revolução mental: o trabalho e valorizado, promovido, justificado. [...] De um lado, os vagabundos são expulsos ou condenados a trabalhos forçados. De outros, os ofícios vis ou ilícitos [...] são reabilitados, [...]. Somente a prostituição, cúmulo da concupiscência, e o jogral, arquétipo de uma prática gestual assimilada à possessão demoníaca, permanecerão, em princípio, proibidos até no século XIII”. P. 67

Na Renascença do século XII, “o homem que trabalha é concebido antes como um cooperador do divino, um “homem Deus”, do que como um pecador”. P. 68

“Mas a resistência à valorização do trabalho manual se organiza. [...] O trabalho intelectual é, assim, promovido e referendado, sobretudo no seio das universidades”. P. 68-69

- A dádiva das lágrimas


Descrição: As lágrimas como um ideal a ser buscado pelo cristianismo medieval.

“[...] uma fonte de lágrimas, isto é, um sinal da graça divina”. P. 71

“as lágrimas inscrevem-se na ‘renúncia à carne’ que ocorre durante a nova história ocidental do corpo que se escreve na Idade Média”. P.71

“Esse ideal ascético [...] torna-se pouco a pouco o modelo do monarquismo medieval”. P. 71

“Se a exortação a chorar participa da renúncia à carne do cristianismo da Antiguidade tardia, é antes de tudo porque o pranto se inscreve na economia dos líquidos dos corpos que o asceta deve dominar”. P. 71

“A dádiva das lágrimas tornar-se-á mesmo um critério de santidade a partir do século XI”. P. 73

“Entretanto, isso não é verdade para a alta Idade Média – a despeito da regra de São Bento, que prescreve os prantos penitenciais – que de modo algum se volta para a dádiva das lágrimas”. P. 73

- Levar o riso a sério


Descrição:  Como o riso foi inicialmente reprimido, e posteriormente, reabilitado no período medieval.

“‘O riso é próprio do homem. Essa definição de Aristóteles [...] não será suficiente para resgatar o riso do opróbio em que foi lançado a pelo menos até o século XII”. P. 75

“O corpo não escapa a uma visão do espaço divido entre o alto e o baixo, a cabeça e o ventre. [...] A cabeça está do lado do espírito; o ventre do lado da carne. Ora, o riso vem do ventre, isto é, de uma parte má do corpo. [...] o riso caminha através do corpo desde suas partes baixas, passando do peito para a boca. [...] o riso é uma ‘desonra da boca’”. P. 75-76

“O riso conduz às ações baixas”. P. 76

“Mas, perto do século XII, o riso será pouco a pouco reabilitado, porque mais controlado. Tomás de Aquino segue os passos de seu mestre, Alberto Magno, que considerava que o riso terrestre era uma prefiguração da felicidade paradisíaca, e atribuiu um estatuto teológico positivo ao riso”. P. 78

“Mais do que reprimi-lo, a Igreja, distanciando-se da pressão monástica, irá controlar o riso. E separar o riso bom do mau, o divino do diabólico. O riso lícito, o riso dos sábios, é o sorriso [...]”. p. 78

- Os sonhos sob vigilância


Descrição:
“Indissociavelmente ligado ao corpo, o sonho vai ser colocado ao lado do Diabo pelo cristianismo triunfante”. P. 82

“A diabolização do sonho é uma resposta hábil a uma cultura pagã das interpretações das verdades ocultas no além”. P. 82

“Com certeza, na prática, o povo recorreu aos intérpretes, mágicos [...] a fim de dar sentido a esse desregramento sensorial”. P. 83

“Condenação moral, mas também distinção social. Pois a igualdade em face do sonho não existe. Apenas uma elite tem o ‘direito’ de sonhar: os reis, os santos, depois, a rigor, os monges. [...] Sonhos reais, mas também sonhos de santos, são elevados ao nível divino. Mas, para o resto da humanidade, o sonho é desaconselhado”. P. 83-84

“Uma reviravolta decisiva se dá a partir do século XII, quando ocorre a democratização dos sonhos”. P. 84

“A Idade Média renascente reata com o sonho, provavelmente sob a influência da cultura e da ciência antigas transmitidas pelos bizantinos, os judeus e os árabes”. P. 85

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